Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
João Batista da Silva Dantas, Myrna Tenorio de Aragão
Resumo: O processo de favelização no Brasil se acentuou com o êxodo rural da população do campo e do Nordeste do Brasil para os grandes centros urbanos do sudeste, influenciado pela industrialização e modernização dos latifúndios impostas pela Ditadura Militar. Concomitantemente, a política internacional de combate às drogas, imposta pelos Estados Unidos, chegou aos países da América Latina, trazendo medidas de segregação racial através do encarceramento em massa das populações periféricas, formada em sua maioria por afrodescendentes. Na década de 60, houve o aumento do consumo de drogas pelos jovens de classes sociais mais favorecidas. Além disso, o modelo médico sanitário distinguiu o jovem negro e favelado do jovem branco de clásse média, associando aquele à figura do criminoso que leva a droga a este que, por sua vez, adquire a o produto ilícito e assumindo a posição de apenas um usuário. Sendo assim, o primeiro merecia cadeia, e o segundo, tratamento. No Brasil, o estereótipo da delinquência atrelado aos negros tem sido fator fundamental para a atuação ostensiva da polícia nos bairros pobres, aumentando as chances de criminalização da população periférica. A condição da população periférica no Brasil se relaciona com múltiplas diferenças (interseccionalidade) que levam aos indivíduos sofrimento gerado pelo preconceito e discriminação de classes economicamente superiores. Os marcadores sociais são eixos socialmente definidos, como gênero, etnia, sexualidade, classe social, localização geográfica, entre outros, para delimitar, padronizar, classificar e hierarquizar pessoas, demarcando as diferenças e se expressando fortemente na desigualdade. A lógica do sistema penal brasileiro está ligada ao racismo e é responsável pelo extermínio da população negra e periférica no Brasil, onde a população carcerária em 2014 era predominantemente negra, contabilizando dois em cada três detentos. O fenômeno do crescente número de aprisionamentos nos anos que antecederam o levantamento colocou o Brasil em 4º lugar no ranking dos países que mais aprisionam no mundo, chegando ao contingente de mais de meio milhão de pessoas encarceradas, a maioria negra. Uma vez presas, essas pessoas estão sujeitas à superlotação das prisões, além de alimentação e instalações precárias, transmissão de doenças, más condições de higiene pessoal, dentre outras questões que ferem os direitos humanos. Fora das celas, estão expostos ao racismo, que interfere em suas vidas em diversos aspectos, como a falta de acesso à educação de qualidade, a submissão a subempregos, trabalhos subalternos e a dificuldade de ascensão social. Neste trabalho, utilizamos de pesquisas bibliográficas, pesquisas em noticiários e análise da letra da música baseando-se na análise disponível no site Genius.com e material de vlog. Assim, descobrimos que, a obra musical Duas de Cinco, do rapper Criolo, faz duras críticas à marginalização e genocídio das populações periféricas do Brasil, justificadas pela política de combate às drogas e reforçadas culturalmente pelo preconceito e estereotipificação da figura do favelado, tão mal visto pelas populações mais favorecidas. Duas de Cinco é a nona faixa do álbum Convoque seu Buda (2014), com refrão e melodia sampleados da canção California Azul de Rodrigo Campos. A letra critica uma sociedade consumista, hipócrita e entorpecida, onde a lei não persegue o vício em si, mas o vício de uma classe específica. O refrão começa fazendo referência ao vapor, como são conhecidos os agentes do tráfico de drogas nas periferias dos grandes centros urbanos do Brasil. Geralmente, estes são crianças ou adolescentes encarregados de transportar pequenas quantidades de drogas, armas ou mensagens dos traficantes. Nos versos do rap, Criolo personifica uma realidade muito comum nas periferias do Brasil, na qual o jovem está submetido à influência cotidiana da violência, do tráfico de drogas e da perseguição policial. Ao retratar essas questões sociais da realidade periférica, além da falta de oportunidades, dificuldade de ascensão e a marginalização dos usuários de drogas, Criolo evidencia a existência dos marcadores de diferença, e como a interseccionalidade entre eles afeta a vida do indivíduo morador da periferia. A coexistência entre esses fatores é responsável por uma desigualdade expressa por meio do preconceito de classe, que tenta legitimar a própria existência (nós) com a eliminação do favelado (os outros). Apesar da dificuldade de se analisar uma obra de arte como um rap, que apresenta várias gírias e, como muitas músicas, é repleta de metáforas e margens de interpretação, esta análise nos ajudou a perceber que é injustificável e inaceitável viver em uma sociedade que permite a segregação das populações desfavorecidas por meio do isolamento, em guetos, dos presídios e do extermínio em massa promovido pela guerra às drogas.
Palavras-chave: marcadores sociais; interseccionalidade; rap.