Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Marcelle Jacinto da Silva
Resumo: Em março de 2020, iniciei meu estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará, sob supervisão do professor doutor Aluísio Ferreira de Lima. O início desse ciclo demarcou minha aproximação com a teorização sobre a gordofobia, pois a pesquisa que passei a desenvolver tratava de estudar narrativas de mulheres gordas brasileiras na luta anti-gordofógica no Instagram. O termo gordofobia era uma novidade para mim; no entanto, como mulher cisgênera branca e gorda, se tratava de algo que fez parte de muitas situações constrangedoras que vivenciei em decorrência de leituras que as pessoas fizeram do meu corpo, pelo meu peso e tamanho, e das suposições a respeito da minha relação com a comida, ao longo da vida. Desde a infância, essa discriminação direcionada ao tamanho, ao peso e ao formato do meu corpo definiu minha relação com minha imagem corporal e, talvez, movida pelo impacto deixado em minha trajetória pessoal, a identificação com muitas das histórias que conheci, por causa da pesquisa, foi uma constante, inclusive porque essas histórias eram protagonizadas por mulheres brancas e cisgêneras. Contudo, o objetivo dessa empreitada acadêmica não era encontrar histórias que se assemelhassem a minha, mas conhecer as nuanças produzidas a partir da intersecção entre gênero, raça e classe e quais denúncias eram pautadas nessa discussão. Foi, então, que entre março e abril de 2020, a imersão nesse universo empírico se deu, através da procura por perfis de mulheres gordas brasileiras utilizando a ferramenta de busca do próprio Instagram. A estratégia inicial foi pesquisar por hashtags específicas, tais como #GordofobiaNãoÉPiada, #LuteComoUmaGorda, #TourPeloMeuCorpo, #AtivismoGordo, #CorpoGordo e #CorpoLivre, embora eu já estivesse acompanhando alguns perfis desde janeiro de 2020, quando iniciei o processo de escrita do projeto de pesquisa submetido à seleção, ocasião na qual havia identificado quais tags poderiam me auxiliar nessa investigação. A primeira vez em que me deparei com o debate acerca da importância da racialização da discussão sobre a gordofobia foi em um vídeo em formato IGTV, postado em 17 de abril de 2020 no perfil pessoal de uma mulher gorda negra, modelo e auto identificada como gordoativista a quem chamarei de Lorena, na tentativa de evitar qualquer tipo de exposição sua, apesar de seu vídeo possuir, enquanto escrevo esse resumo, 51.263 visualizações. Lorena chama atenção para problemas internos do movimento antigordofóbico brasileiro que partem do fato de este ser dominado por pessoas brancas, especialmente na internet. Esse é apontado como o principal problema porque, por serem brancas, ou seja, por ocuparem um lugar de privilégio social, as pessoas partem de uma perspectiva específica que exclui outras pautas/demandas que atingem diretamente as pessoas negras, ainda que vivamos em um país onde a maioria da população é pobre, e a maioria da população gorda é pobre e negra. Um dos focos centrais no debate antigordofóbico que tenho acompanhado no Instagram, em leituras e eventos acadêmicos, é a importância do desmonte de histórias únicas que são contadas sobre pessoas gordas uma delas é a de que toda pessoa gorda é doente, portanto, obesa - e Lorena nos convoca a pensarmos sobre a reprodução de histórias únicas sobre a gordofobia, que invisibilizam e invalidam as vivências de pessoas gordas negras e, consequentemente, suas pautas, ainda que, no Brasil, raça não se trate de um recorte e sim de um ponto de partida para pensarmos os vários tipos de opressões que nos atravessam. Lorena foi um divisor de águas para minha pesquisa porque, na legenda de seu vídeo, recomendou aos seus seguidores/público uma lista de outras trinta e uma mulheres gordas e negras que têm contribuído com o debate sobre a racialização da temática da gordofobia no Brasil. Essa proposta, a meu ver, dialoga com o que Sueli Carneiro chama de enegrecer o feminismo, quando a autora chama atenção para a importância, dentro dos feminismos, de que as trajetórias de mulheres racializadas sejam reconhecidas, assim como suas agendas, já que a teoria e a prática política feministas, conforme critica Sueli, são insuficientes no sentido de agregar diferentes expressões dos feminismos que são construídas por questões multirraciais e pluriculturais. E é exatamente sobre a importância do enegrecimento do movimento antigordofóbico que se trata nesse recorte, A gordofobia é uma tentativa de redução das infinitas possibilidades de representação de personagens dessas mulheres a uma imagem fetichizada de um corpo indesejado socialmente, é uma tentativa de impedir o reconhecimento das metamorfoses que não param de acontecer em suas vidas. Entendo, nesse sentido, que ocupo um lugar de privilégio e é a partir da consciência dessa minha localização social que gostaria de contribuir com esse debate, no intuito de repensar minhas práticas enquanto pesquisadora e sujeito vivente.
Palavras-chave: gordofobia; ativismos; Instagram