Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Luis Claudio Nogueira Madeira
Resumo: Esse minicurso tem o objetivo de possibilitar vivências a partir de atividades artístico-culturais. Será apresentada a capoeira como saber/fazer afrodiaspórico que permite o encontro com conceitos e dinâmicas filosófico-corporais promotores de ressignificação. O minicurso terá três etapas: uma teórica, outra, de vivência corporal, e por fim, um exercício de escrita de si. Será apresentada a capoeira, sua história e seus principais conceitos, em seguida serão sugeridos movimentos corporais e por fim, será indicada a escrita de uma redação em que o escritor/aluno narrará de maneira breve sua história de vida, atento aos conceitos/movimentos aprendidos a partir dos recursos da capoeira. Existem produções acadêmicas que relatam experiências transformadoras quando psicólogos/as capoeiristas propõem intervenções em promoção de saúde, sobretudo nos CAPS. O presente trabalho está fundamentado nesses trabalhos acadêmicos, bem como no próprio referencial teórico dos estudos afrocentrados e de capoeira. A vivência do proponente como professor de capoeira e psicólogo habilita a sugestão do presente estudo. Inicio a contextualização por saudar os mais velhos, citando Mestre Pastinha, Vicente Ferreira Pastinha (1889 1981), que é um dos mais reconhecidos mestres de capoeira da tradição. É dele a frase o capoeirista não é aquele que sabe movimentar o corpo, e sim aquele que se deixa movimentar pela alma. Nesse trabalho a frase é retomada na perspectiva de valorizar um olhar descolonial sobre o corpo. O corpo do capoeirista, na perspectiva afrocentrada, é um corpo que ginga e que se movimenta. Difere radicalmente do corpo-máquina: dicotomia racionalista de origem europeia que concebe o corpo como mecanismo a ser manipulado por uma essência intelectual. Para os valores africanos o jogo de capoeira possui encantamento, no sentido da expressão corporal criativa no ato mágico do "jogo de Angola". O capoeirista sorri com as pernas, brinca com a cintura, gargalha com as piruetas e floreios. Nos valores civilizatórios africanos, tal qual nos elucida a prof.ª Azoilda Trindade, o corpo é um lugar do ser. O africano, desterrado, contra a sua vontade, pelo flagelo da escravidão, veio ao Brasil provido exclusivamente de seu corpo, e nele estava viva sua cultura e sua alma. A capoeira pode ser definida como uma arte marcial especial, à medida que se constitui metodologicamente a partir do tripé indissociável jogo/luta/dança. Nela, ao invés do contato físico traumático (socos, chutes, etc), sugere-se diálogos corporais em dupla, em que os golpes são sugeridos, quase sempre sem que os contendores se toquem. Nesse minicurso, serão estudados quatro de seus principais conceitos/movimentos. Dentre as muitas possibilidades, destacou-se a ginga, o rolê, o aú e a volta-ao-mundo. Cada um desses movimentos pode ser compreendido na dinâmica da relação encantada existente entre o macrocosmo da grande roda, e o microcosmo da pequena roda, isto é, o diálogo corporal executado na roda de capoeira (a pequena roda), é, ao mesmo tempo, uma vivência transformadora da subjetividade do jogador, e, por outro lado, uma metáfora dos acontecimentos da vida cotidiana (a grande roda). Nesse sentido, a ginga pode ser caracterizada como o balanço corporal básico do jogador de capoeira. O verdadeiro capoeirista nunca para de gingar e está sempre em movimento. Como metáfora, compreendemos a dinamicidade das forças psíquicas em constante movimento de atualização com as transformações e crises da realidade. Já o "rolê, pode ser descrito como um movimento onde o jogador se desloca de um ponto a a um ponto b, lateralmente, fazendo um giro de 360.º junto ao chão, por baixo. Como paralelo, é possível dizer que o rolê significa uma mudança de lado, da esquerda para a direita, e vice-versa. Sugere possibilidade de perceber os lados de um jogo, de se colocar no lugar do outro, sem parar de jogar. Dar um rolê também pode ser entendido como sair de uma situação difícil. O aú, ou movimento da estrelinha, também sugere um giro de 360.º, porém, dessa vez, pelo alto, em que por um instante pode-se perceber o mundo de cabeça para baixo. O aú simboliza uma radical mudança de ponto de vista, em que se propõe a subversão completa da lógica entre os que dialogam. Por fim, a volta-ao-mundo consiste no movimento de parar de jogar e caminhar ao redor da roda de capoeira, por dentro dela, em sentido anti-horário. A volta-ao-mundo é realizada quando o jogo está impossibilitado de fluir, seja pelo cansaço de um dos jogadores, seja por este ter sido dominado por um jogador superior. É uma pausa no tempo. É um caminhar em sentido anti-horário, buscando o passado, o retorno ao ancestral, ao momento e a oportunidade de recomeçar a partir dos conhecimentos já elaborados. Por fim, espera-se que o exercício de escrever sua própria história de vida, provocado pelos movimentos e transformações vivenciados, pode consolidar a aprendizagem no sentido de implicar o sujeito de maneira pessoal na vivência, a fim de tornar a ação mais que uma atividade meramente formal/didática.
Palavras-chave: Capoeira; Psicologia Descolonial; Saúde Mental