Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Larissa Firmino da Silva
Resumo: Trata-se de um relato de experiência sobre reflexões suscitadas no decorrer de um estágio obrigatório em Psicologia, realizado junto a mulheres em situação de violência doméstica/familiar, compondo a equipe técnica da Secretaria da Mulher, numa cidade do interior de Pernambuco. Diante da pandemia internacionalmente propagada pela COVID-19, problemas e desigualdades já existentes se tornaram mais evidentes para estas mulheres que, no contexto brasileiro são, em sua maioria, pretas e pobres, e que neste cenário enfrentam obstáculos adicionais para manter a própria vida: na intensificação das relações entre parceiros e entre pais e filhos, amplificação do convívio com o agressor, aumento da dependência financeira, além do isolamento social de familiares e possíveis redes de apoio. Ademais, ressaltam-se restrições no próprio serviço de acolhimento da secretaria especializada de proteção às mulheres, que por vezes fica somente na ação assistencial individual, com sua equipe mais limitada, isso quando não estão fechados devido ao chamado lockdown, quando se impõem medidas restritivas de fechamento de serviços para minimizar a proliferação do vírus. Especificamente neste trabalho, as inquietações e reflexões suscitadas referem-se às limitações que se fazem presentes também pela formação recente da equipe técnica no local de estágio, como consequência da troca de gestão municipal, cujos membros ainda estão se apropriando deste lugar e conhecendo possibilidades interventivas. As dificuldades também são da ordem de integração com o trabalho junto a políticas públicas, como o Sistema Único de Assistência Social - SUAS por alguns profissionais, limitando assim as condições de compreensão de múltiplas opressões sofridas por mulheres racializadas e pobres que se tornam assistidas pelo serviço. Consequentemente, há restrições também quanto às estratégias de atenção e cuidado, que se centram apenas na atuação direta com mulheres, ao invés de expandirem-se numa ação política que atinja a toda a sociedade, evidenciando e problematizando a questão. Ainda, ressalta-se a própria formação da equipe: mulheres brancas, de classe média que, de sua branquitude, não acessam ou constroem intercâmbios empáticos junto a realidades distintas e desafiadoras em si, como as expressas por mulheres negras e pobres que buscam o serviço. No entanto, sabendo das potencialidades de uma prática dentro da secretaria da mulher através de serviços de atencionamento frente à livre demanda que chega, na perspectiva de entender os diversos aspectos que estão envolvidos com as narrativas trazidas pelas mulheres, a discussão desta proposta está na compreensão da psicologia social como ciência com implicação política, aliada a um olhar interseccional como perspectiva que problematiza as consequências de dinâmicas estruturais de dois ou mais eixos relacionais - aqui gênero, raça e classe -, refletindo sua imbricação a partir dos lugares de estagiária e orientadora de estágio. Como construir uma postura ético-política de atuação que assista às múltiplas vulnerabilidades e estimule a produção de intervenções psicossociais para além de um contexto restrito à violência, que causa solidão e desempoderamento, e para além, também, dos limites institucionais dos serviços de acolhimento? Mediante esses fluxos, foi possível intencionar práticas que incluam a raça enquanto fluxo de vida que atravessa a maioria das mulheres atendidas, e que dimensões isto envolve, assim como atividades junto à equipe a fim de incluir esses debates como constituintes de uma postura que, de fato, se preocupa e se responsabiliza com as mulheres, a partir de reuniões temáticas, estudos dirigidos e momentos de supervisão. Os aprendizados têm revelado algo que, infelizmente, ainda é comum: a invisibilização de vivências de pessoas racializadas e pobres, e outros grupos ditos das minorias que procuram os serviços públicos de assistência. Estas diversas experiências estão inseridas em um contexto de vulnerabilidade que inclui opressões mais densas e históricas, coloniais, que naturalizam comportamentos e condutas, em que a diferença (gênero, classe, raça, sexualidade) é só um detalhe que compõe o cadastro no serviço, sendo mais um silenciamento, e não uma expressão dos modos de vidas daquelas pessoas, que poderia ser trabalhado dentro de um contexto que aqui se refere à violência contra a mulher. Apesar disso, é importante compartilhar que fazer aliança com o olhar da interseccionalidade como viés de ação profissional, fomenta o refutamento de uma tradição de estruturas e firma um compromisso ético-político de criação de espaços de cuidado possíveis e garantia de direitos, por uma linguagem capaz de expandir parâmetros prático-conceituais, que tornam a psicologia uma profissão que movimenta transformações.
Palavras-chave: Violência contra mulher; Interseccionalidade; Raça; Branquitude; Psicologia Social.