Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Larissa Maria Matos Oliveira
Resumo: Crateús é terra indígena. A partir deste fato, muitas lutas foram travadas pelos povos indígenas pertencentes a esta terra, as quais, em sua maioria, foram e são lideradas e protagonizadas por mulheres. O presente trabalho se propõe a resgatar o histórico dos povos indígenas de Crateús, lançando um olhar especial sobre a histórica resistência e iniciativa das mulheres indígenas para que o processo de emergência étnica e organização política das etnias Kariri, Kalabaça, Potiguara, Tupinambá e Tabajara ocorressem nesta região. Para isso, iniciarei fazendo um breve resgate da história indígena de Crateús. O contexto atual do movimento indígena dos Sertões de Crateús é resultado de muitos anos de resistências contra tentativas de apagamento das etnias indígenas aqui preexistentes e dos povos migrados para cá. Crateús é um município localizado no sertão do Ceará, sendo um território de intensas disputas desde o início da colonização devido sua localização geográfica estratégica entre os dois estados Ceará e Piauí e no ponto central entre sul e norte do estado do Ceará. Enquanto terra indígena, Crateús era originalmente pertencente ao povo Caratiús, da matriz étnica Tapuia, que resistiu nessa terra até o século XVIII, quando foi exterminado a mando do então governador da província. Após um longo período de urbanização e construção de fazendas na região, muitos povos indígenas empobrecidos passaram a migrar de várias regiões do estado e das áreas rurais do município para a cidade de Crateús, formando um complexo de comunidades nas periferias urbanas. A partir da Pastoral Raízes Indígenas, iniciada pela freira Margarete Mafliet e por Helena Gomes (Potiguara), as comunidades periféricas organizaram-se na luta por moradia e em busca da restituição de suas identidades étnicas. Hoje, após um longo processo de confronto, pesquisas, trabalho de base e reconhecimento, os indígenas de Crateús se dividem em cinco etnias: Kalabaça, Potiguara, Tupinambá, Kariri e Tabajara, localizados majoritariamente em aldeamentos urbanos, mas também presentes em algumas aldeias rurais no interior do município. Com exceção dos Kariri da família de D. Tereza Kariri e dos Tupinambá, os outros povos não conheciam suas origens étnicas e passaram a conhecer a partir da atuação da Pastoral e de outras organizações como a Missão Tremembé e professores universitários. Contudo, um ponto interessantíssimo a se destacar é que, durante todo esse percurso histórico, grandes líderes mulheres surgiram e caminharam nas linhas de frente, desde o início. Tereza Kariri, Teka e Helena Potiguara, Tereza e Mazé Tabajara, Cristina Kariri, Maria Ferreira Potiguara, Fátima Tupinambá e tantas outras mulheres que lideram as frentes de confronto nas retomadas da terra, fundaram e mantém o funcionamento das Escolas Diferenciadas Raízes Indígenas em todo o município e lideram, juntamente com outras/os companheiras/os, os seus povos. Duas foram as principais dificuldades encontradas: primeiramente, a pequena quantidade de literatura publicada acerca dos indígenas de Crateús; e, por fim, o distanciamento social neste período de pandemia que impossibilitou a realização de entrevistas e pesquisas de campo. Desse modo, a estratégia utilizada foi identificar entre os trabalhos publicados, sobretudo da tese de doutorado de Lima(2010), os fragmentos que trazem as mulheres no movimento indígena de Crateús. Quanto a esse protagonismo, muitos episódios poderiam ser citados, contando as histórias de cada uma das supracitadas lideranças femininas. Todavia, esse não é o ponto central deste trabalho. Portanto, citarei exemplos dessas mulheres e os espaços que ocupam, mostrando que no movimento indígena de Crateús as mulheres podem ocupar os mais variados espaços. A história emblemática de Tereza Kariri é bastante conhecida entre povos de Crateús. Sendo Pajé do povo Kariri, assim como D. Mazé e Tereza Potiguara(in memorian), realiza rituais de cura e pratica a religião da encantaria e umbanda. Já sua filha Cristina Kariri é professora da Escola Indígena Kariri-Tabajara no bairro Maratoã. Além do espaço da educação, Cristina também ocupa espaços políticos e representa o povo Kariri de Crateús pelo Brasil afora. Assim como ela, Rosana Potiguara, Maria Lira Tupinambá, Kaká Potiguara, Elza Tabajara, Sueli Tabajara também são professoras e juntas com mais alguns outros professores indígenas e os alunos das escolas indígenas escreveram o Livro das Raízes Indígenas Povos de Crateús, que é utilizado em toda a rede de escolas indígenas do município e ajuda a manter e ensinar as tradições dos povos para as crianças. Ademais, outras tantas mulheres ocupam espaços de organização comunitária, lideranças religiosas, medicina natural, cultivo da terra, jovens mulheres universitárias e artistas e tantos outros espaços que aqui não foram citados e cujos nomes não foram trazidos. O exemplo de resistência, incidência e força das mulheres indígenas de Crateús é potente. Não é meu objetivo levar ao enganoso entendimento de que somente as mulheres protagonizaram as lutas indígenas de Crateús. Pelo contrário, elas deixam a mensagem de que é possível que todos os espaços sejam também ocupados pelas mulheres indígenas, nas aldeias e na sociedade.
Palavras-chave: Povos Indígenas; Mulheres; Sertões de Crateús