Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Ligia Ribeiro Ferreira, Renata Lira dos Santos Aléssio
Resumo: Esse trabalho busca abordar, através de um recorte da monografia A experiência drag queen como possibilidade no desenvolvimento o atravessamento do machismo na experiência de uma mulher cisgênera drag queen em Recife. Kira Heart, uma mulher, branca, heterossexual, tinha, no momento da entrevista, 39 anos. Quando mais jovem, afirmou se sentir muito controlada pela família, e posteriormente, vivenciou relacionamentos afetivo-sexuais abusivos. Mais recentemente, declara que vive uma fase de libertação, em que emergiu a sua drag. Ainda que historicamente a drag queen venha sendo compreendida como um artista que personifica o feminino de forma exagerada e estereotipada, essa figura se configura como um outro lugar, um além-mulher. Para além de uma construção fidedigna de mulher, se expande ao andrógino, ao animalesco, mitológico, monstruoso, entre outros. Apesar de ser compreendida por muitos autores e performers como uma expressão artística, independente da orientação sexual e identidade de gênero, historicamente foi associada ao público LGBTQIA+, e ainda hoje é uma prática majoritariamente associada a homens gays cisgêneros, inclusive sendo a mulher interditadas em diversos espaços, a exemplo da série Rupauls drag Race, um reality show mundialmente famoso em que as drags competem pelo título de Americas Next Drag Superstar. Já se percebe como dificuldade na pesquisa o acesso a essas performers, uma vez que ainda representam um número menor entre a comunidade drag. Através da rede pessoal da pesquisadora, foi possível dialogar com Kira. Em pesquisa, além de Kira, foram entrevistados 4 homens gays cisgêneros. Percebeu-se que a organização social do gênero pautada no binarismo- que coloca feminilidade e masculinidade como opostos e excludentes- bem como os modelos e hierarquização de masculinidades e feminilidades que nos subjetivam, promovem situações de machismo, preconceito e violência para esses artistas de forma geral, contudo, com certas particularidades na experiência de uma mulher cisgênera heterossexual. Para os homens cisgêneros entrevistados, a interdição está muitas vezes em atravessar a fronteira do masculino e experimentar o feminino. Por sua vez, para Kira Heart a questão não foi sobre o uso de elementos como maquiagem ou sapatos de salto alto, mas sim sobre o lugar que a mulher deveria ocupar. Já mais nova, percebia ser mais controlada que seus irmãos pela família. Já adulta e drag, para além da disputa por espaço e legitimação na cena drag, ela narra que é questionada sobre a anuência do seu marido acerca de sua prática. Isso está relacionado ao funcionamento patriarcal, que reforça o lugar de subserviência da mulher na sociedade, fazendo alusão à mulher como posse, e o homem como responsável pelas decisões. Buscando tensionar esses padrões, Kira corrobora que por meio da montação busca principalmente uma ferramenta política: você pode ser mulher, você pode ser casada, num relacionamento heterossexual...mas você pode fazer o que você quer, você deve fazer o que você quer!. Como um dos grandes aprendizados, evidencia-se como o espaço da mulher na comunidade drag e LGBTQIA+ é também atravessado pelas relações sociais machistas, sendo, por vezes, deslegitimada por outros artistas. Assim, ao ser corporificada, permite fissuras nessa lógica, reinventando lugares e possibilidades para as mulheres, bem como desmanchando as fronteiras entre os gêneros.
Palavras-chave: drag queen; mulher; machismo.