Resumo: O Brasil está vivenciando há alguns anos uma série de escândalos políticos, permanecendo em uma crise que contribui para o descrédito do eleitorado em relação aos políticos e aos partidos políticos. Além disso, observamos um avanço considerável na agenda neoliberal e conservadora, materializada pelo retrocesso em vários direitos e pelo fortalecimento de discursos autoritários, sobretudo, no que diz respeito às minorias sociais. Assim, é importante compreender os discursos realizados por políticos relevantes no cenário contemporâneo brasileiro, interpelando-os em termos dos horizontes políticos de sociedade. Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla no campo das ciências humanas e sociais que visa contribuir para reflexões críticas sobre a conjuntura política brasileira. Neste trabalho objetivamos analisar a construção discursiva de horizonte político de sociedade realizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vinculado ao PT, no contexto das eleições de 2002, 2006 e 2010, e problematizar como este horizonte favoreceu ou não o fortalecimento de discursos autoritários no Brasil. Consideramos que a pesquisa apresenta relevância científica ao propor uma análise psicopolítica que contribua para reflexões sobre a conjuntura política contemporânea brasileira. E apresenta relevância social ao circunscrever debates relevantes para o nosso contexto histórico referentes à construção da democracia. Desta forma, indicamos esse trabalho para o Eixo 1 Movimentos Sociais, Desigualdades e Ações Políticas Antifascistas, Antirracistas e Anticapitalistas, em razão da preocupação em compreender o avanço do pensamento conservador e autoritário no país e, consequentemente, os retrocessos no campo dos direitos vivenciados nos últimos anos. Metodologicamente, a partir de fontes documentais secundárias, construímos uma discussão sobre a trajetória política de Lula e do PT, focalizando articulações políticas e mudanças discursivas. Posteriormente, articulando esta contextualização com fontes documentais primárias, delimitamos as demandas sociais presentes no discurso de Lula e discutimos o modo como foram articuladas em torno de um horizonte político de sociedade. Realizamos a análise tendo como referencial teórico a Teoria Democrática Radical e Plural, desenvolvida por Ernesto Laclau e por Chantal Mouffe. Para a análise do horizonte político de sociedade construído por Lula, delimitamos elementos considerados fundamentais por Laclau para a compreensão do povo como uma lógica política: a) demandas sociais; b) a articulação entre estas demandas a partir da lógica da equivalência ou da lógica da diferença; c) o estabelecimento de fronteiras políticas (nós x eles), a partir da noção de antagonismo. Para a análise de como a construção discursiva de horizonte político produzida por Lula favoreceu ou não o fortalecimento de discursos autoritários no Brasil, consideramos o conceito de democracia, entendida por Laclau e por Mouffe como uma forma de sociedade caracterizada pela indeterminação e por disputas políticas relativas aos modos de constituição da ordem social. Podemos conceber que Lula construiu uma cadeia alternativa entre a cadeia petista tradicional, baseada na defesa de demandas de sindicatos e de diferentes movimentos sociais progressistas, e a cadeia neoliberal, representada naquele momento, sobretudo, pelo PSDB, tornando equivalentes, demandas até então concebidas como antagônicas. Embora o PT enfrentasse impasses colocados principalmente pelo PSDB, parlamentares da oposição, mesmo à direita, alinhavam-se ao partido para aprovação de alguns projetos, práticas sociais caracterizadas por estratégias de aliança.  Com a construção de uma cadeia equivalencial alternativa a partir do consenso de centro, Lula venceu duas eleições presidenciais e teve uma terceira vitória quando Dilma foi eleita. Além disso, Lula legitimava seus adversários no âmbito do debate político, prevalecendo uma relação agonística. O aprendizado que queremos destacar com este trabalho é a compreensão de que a construção de uma cadeia alternativa pelos governos Lula favoreceu a construção de um horizonte democrático no país, uma vez que: a) permitiu a expansão de direitos e de atores sociais na esfera pública; b) respeitou a legitimidade dos opositores. Por outro lado, entretanto, a cadeia lulista, ao promover um consenso de centro, possibilitou a construção de fronteiras políticas que estabeleceram um nós que buscava diferenciar-se tanto do PT quanto do PSDB (forças políticas que disputavam a construção de um horizonte político de sociedade desde os anos 1990). Pela esquerda, pudemos ver que parte da esquerda que se manteve antagônica a demandas neoliberais que historicamente o PT também era antagônico se distanciou do PT, como é o caso do PSOL. Pela direita, pudemos ver nos últimos anos o fortalecimento da extrema direita, e, assim, de estratégias políticas conservadoras e autoritárias, tendo seu representante Jair Messias Bolsonaro vencido a eleição presidencial de 2018.

Palavras-chave: Democracia; horizonte político; Lula.