Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Pedro Renan Santos de Oliveira
Resumo: Trata-se de um recorte de pesquisa, ainda em andamento, em que se analisam modos de fazer cuidado em saúde que, sob perspectiva crítica, podem auxiliar nas críticas às formas de reconhecimento e a perenidade das colonialidades e colonizações dos modos de viver. Na investigação mais ampla, três dimensões distintas do cuidado enquanto política de produção de saúde são destacadas, denominadas de "cenas analíticas": a dimensão normativo-legal (isso é, o estudo de políticas públicas especialmente aquelas que versam sobre populações subalternizadas - assim, que tenham recorte racial/étnico, de gênero/sexo/normatividade sexual; sistema centro-periferia etc.); a dimensão sígnica/linguagem ou intersubjetiva que operam as práticas de saúde (aquela ligada aos modos que dão suporte a mediação relacional entre profissional e usuário de um serviço de saúde); e, a última, dimensão "sociabilidade e relações institucionais em saúde" (ou seja, sobre as lógicas/ sentidos/ que operam as relações do cuidar diante de dado contexto ou institucionalidade). Para fins desse trabalho, o recorte feito diz respeito dessa última dimensão, especialmente a partir da especificidade de materiais (de campo, bibliográfico ou normativo) que relatam narrativas de mulheres que haviam sido violentadas pelos seus parceiros íntimos e que haviam oficializado as denúncias em instituições policiais ou de justiça, em que repercussões da violência conjugal no processo saúde-doença das mulheres eram as marcas evidenciadas nas práticas de cuidado. O caminho teórico-metodológico da pesquisa entende que as racionalidades efetivam determinadas formas de agir, sentir e pensar, mas também tenta dar conta do que lhe escapa. E é sobre o que escapa que o negativo (na acepção da dialética negativa adorniana) reorganiza-se como o não efetivado e que pode ser, por um lado capturável, e, por outro, como resíduo, indicar formas de produzir resistências e novos insurgentes, portanto. Em análise, os materiais que a pesquisa tem encontrado (tanto da revisão bibliográfica, quanto dos materiais de campo, em triangulação) sugerem dois nós que afetam as relações de cuidado em termos tanto teóricos quanto práticos. Primeiro nó: a colonialidade do poder opera na produção de epistemologias em saúde em que o epistemicídio de outras lógicas de cuidado (especialmente dos povos da terra, saberes tradicionais, outras racionalidades não técnicas-instrumentais, mas também nas ditas minorias políticas que são maiorias populares , como em mulheres, negros, LGBTQIA+ etc.) é a marca constitutiva de sua existência. Segundo nó: a colonização da racionalidade sistêmica biomédica opera por criação de estruturas intersubjetivas em que o universo simbólico dos sujeitos é reificado e o mundo da vida reduzido a certa forma de significação em que se anula a própria voz do sujeito. Os dois nós produzem um efeito entrelaçado: poderes que perpetuam hierarquias valorativas de humanos que sequer são enquadrados nesse estatuto de humanidade e, quando são considerados humanos, é na condição de submissão a código de reconhecimento que o deflaciona a uma anatomia-fisiológica patologicamente estéril - supostamente desracializada (portanto, branca), pretensamente habitada apenas com variações de sexo (e ao anular o sistema sexo-gênero-corpo, reproduz-se heteronormativamente). Nessa dimensão em análise expressa nesse trabalho, o que tem se visto, ao mesmo tempo se expõem tais nós, é a evidência da relação entre gênero e violência, um dos problemas que mais faz morrer mulheres no país. O patriarcado também opera em seus desdobramentos na relação de cuidado quando opera-se relações na direção de ocultação da problemática da mulher (cujo homem em seu tipo específico de masculinidade opera o poder de matar mulheres como nenhuma outra doença o faz) e ao mesmo tempo anula inclusive o controle dos circuitos de reconhecimento da dor/ sofrimento diante da violência. E é possível pensar em saídas tomando as políticas do cuidar como políticas estratégicas para enfrentar as colonialidade do poder? As provisórias e iniciais considerações que a pesquisa tem apontado diz de brechas. Brechas no reconhecimento do que é a gramática do sofrimento (para além da anátomo-fisiologia) e do que é a ação em saúde (cuidado como político). Os nós não são fáceis de desatar. E, destacamos, a novidade do debate de(s)colonial na interface com o cuidado não está em fazer crítica ao saber biomédico, senão em inflexionar o cuidado (e suas políticas) não só como saber disciplinar, mas como produtor, ele mesmo, de regimes de invisibilidades e consequente não reconhecimento. Assim, em últimas palavras, temos apontado até aqui na pesquisa que o cuidado pode ter, ao contrário do que se produz em relações coloniais, a capacidade de operar formas de reconhecimento no que diz respeito a outras formas de entender o sofrimento (ético-político) e de agir como cuidado (estético-político). E assim sendo, talvez possa servir como política de circulação de outras formas de relações em serviços e políticas de saúde em que sejam direcionadas para ampliar formas do viver e não enquadrar os corpos em diagnoses dessubjetivantes.
Palavras-chave: Colonialidade; Reconhecimento; Psicologia Social.