Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Stefanie de Almeida Macêdo
Resumo: O resumo que aqui apresento tem como objetivo apresentar algumas reflexões tecidas ao longo do primeiro ano de investigação na pesquisa de mestrado intitulada A narração autobiográfica como forma de vida: um estudo sobre os diários de Carolina Maria de Jesus e Maura Lopes Cançado, orientada pelo Prof. Dr. Aluísio Ferreira de Lima, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (PPGPSI-UFC). Por meio desta pesquisa, que articula a teoria crítica da sociedade, os estudos de gênero e a literatura feminina brasileira, tem sido possível refletir sobre o estatuto da narração, a escuta das vozes femininas em sua variedade de expressões e a possibilidade de expressão que emerge nas condições de opressão interseccionada a partir dos diários escritos por Carolina e Maura entre as décadas de 50 e 60. Falando a partir da favela, do quarto de despejo da sociedade, Carolina, mulher negra, mãe de três filhos e catadora de papel, se torna um fenômeno literário ao ter sua obra de relato sobre a vida nos barracos difundido mundialmente a partir da publicação de Quarto de Despejo, em 1960. Para além do estereótipo da mulher favelada e pobre ao qual é frequentemente associada, Carolina se apresenta como uma escritora que vai muito além do lugar exótico no qual foi colocada, revelando a importância da escrevivência na produção de uma mulher negra. Maura, por outro lado, era mulher branca e de classe média, internou-se reiteradas vezes no Hospital Psiquiátrico Gustavo Riedel, de onde escreveu seu diário na década de 1960, no qual relata as angústias de suas expressões de depressão ou loucura. Bem recebida nos círculos literários, a autora alcançou bastante sucesso com a publicação de seus contos em periódicos de renome, passando um tempo no esquecimento e sendo recentemente redescoberta nos espaços acadêmicos após a reedição de seu diário e livro de contos em 2015. Nos escritos autobiográficos de ambas podemos perceber as nuances diversas das injustiças de classe, gênero e raça, bem como a manifestação da resistência a estas opressões por meio da narração e da possibilidade de difusão dessa voz insubmissa mesmo em condições pouco favoráveis, como os cenários de uma favela ou de um hospital psiquiátrico, que são de ondem partem suas vozes na maior parte dos relatos. Essa espécie de ausência de adequação também pode ser expressa na forma como estas obras foram recebidas, trazidas ao debate público décadas depois de sua publicação e anos de apagamento. A escrita destas mulheres se manifesta, então, como expressão da experiência na forma da narrativa em primeira pessoa, em diários de caráter autobiográfico que ultrapassam a expectativa de que as mulheres necessitam de um espaço todo seu para que possam se dedicar à tarefa de escrever, nos fazendo atentar para reflexões sobre a narração tecidas por Walter Benjamin e Theodor Adorno. Com Carolina e Maura, contatamos a necessidade de escrita que se apresenta como tarefa vital à sobrevivência, já que, somente por meio dela, é possível encontrar o meio para expressão dos sentimentos de injustiça acumulados ao longo das reiteradas experiências de opressão, o que nos aproxima de uma teoria crítica das formas de vida, como a desenvolvida por Rahel Jaeggi, e daquela que versa sobre o reconhecimento e a invisibilização, como em Axel Honneth. Ademais, as condições de opressões múltiplas trazidas pelas escritoras nos trazem à baila os escritos de uma teoria feminista brasileira iminentemente interseccional, como encontramos em Lelia Gonzalez e Sueli Carneiro. Por meio da escuta atenta da narrativa autobiográfica, nos colocamos em posição de refletir sobre a voz daquelas que historicamente foram excluídas e marginalizadas em primeira pessoa, considerando, primordialmente, que a teoria crítica deve ser construída a partir dos anseios que emergem destas falas, frequentemente consideradas inadequadas para se expressarem no espaço público. A mulher do terceiro mundo, que se põe à prova em uma atividade que não é considerada adequada para sua realidade, se mantém viva ao escrever a sua história e, com isso, reescrever a história de toda a realidade que a circunda, nos possibilitando entrever e rever esse espaço ao redor, bem como construir caminhos epistemológicos de mãos dadas com aquelas que tão bem conhecem a realidade social brasileira.
Palavras-chave: Narração; Formas de vida; Gênero