Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VII, 2021
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
PSICOLOGIA SOCIAL & LUTA ANTIRRACISTA: REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS ÉTICO-POLÍTICAS A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE
ISSN 2965-226X
Gabriela Helena Borges, Érika de Sousa Mendonça
Resumo: INTRODUÇÃO: Apesar da nefasta tentativa social de colocar a morte e o luto escondidos por trás dos palcos que encenam a vida, isso não altera o fato de que a morte acontece e segue cruzando diferentes caminhos, deixando consequências. Dentre elas, dicotomicamente, o fim pode colidir com o que seria o início da vida, através da morte perinatal, óbito que acontece da 22ª semana de gestação até o 6º dia de vida completo da criança, no grupo de nascidos vivos. Nesse contexto, mulheres negras - e especialmente quilombolas - são aquelas que mais sofrem com a ausência ou insuficiência de políticas públicas de assistência. Ademais, a mulher negra também sofre em relação às condições de saúde, como a acessibilidade ao pré-natal, parto e puerpério. O resultado disso é que ser negra é estar em um risco constante de mortalidade materna. Pensando nas particularidades que envolvem o luto perinatal da mulher quilombola, esse trabalho é um relato parcial da pesquisa de Iniciação Científica em andamento, sob financiamento do CNPq, que busca compreender reverberações psicossociais do enlutamento dessas mulheres-mães. OBJETIVOS: Analisar os resultados parciais de uma pesquisa sobre o luto perinatal da mulher quilombola, referentes à assistência de saúde, sob uma perspectiva de necropolítica. METODOLOGIA: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, empírica, realizada a partir de entrevistas semi-estruturadas junto a sete mulheres negras, quilombolas, que vivenciaram o luto perinatal. Essas mulheres têm entre 24 e 42 anos de idade, a maioria ganha menos de um salário mínimo e todas utilizam serviços públicos de saúde. Numa perspectiva interseccional (CRENSHAW, 2002) temos associadas categorias de gênero, raça, classe e território, ampliando-se, neste âmbito, suas vulnerabilidades. Para exploração e interpretação de dados, foi usada a Análise de Conteúdo, para acessar os significados através da codificação das unidades de registro, favorecendo uma categorização possível para responder às questões levantadas. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Pensando que toda discussão deve ser racializada, o luto e a morte perinatal também carecem desse olhar, ainda que a falta de sensibilização e despreparo dos profissionais de saúde sejam uma característica comum relatada por mulheres que vivenciam este tipo de enlutamento. Os descasos, porém, frente à conjuntura mulher-negra-quilombola-pobre, parecem se amplificar, de modo que surge a necessidade de direcionar a discussão sob uma visão necropolítica (MBEMBÉ, 2017), inspirados na perspectiva da biopolítica como uma estratégia de poder sobre a vida, a morte e corpos (FOUCAULT, 2002). A reflexão da necropolítica passa por uma condução cercitiva do Estado e, direta ou indiretamente, envolve prisões, rondas policiais, escolas, universidades, hospitais, chegando até aqui, na maternidade e na gestação de mulheres quilombolas. Olhando para o fenômeno que persegue esta discussão, as entrevistas realizadas tinham a intenção de compreender o luto perinatal e a relação com a comunidade estudada, enquanto rede de apoio. Todavia, este apoio se revelou desafiador e mesmo insuficiente, frente ao poder que o Estado exerce sobre a vida interferindo, por consequência, de modo psicossocial, no processo de enlutamento dessas mulheres-mães. Isso porque, na maioria das entrevistas, foram relatadas negligências da equipe hospitalar e de unidades de saúde públicas, com suas vidas, acontecimento demarcado através de práticas obstétricas indevidas e indiferença com as gestantes no momento de se realizarem processos que ofereciam risco de vida a ela e/ou ao bebê. Além disso, ressalte-se a dificuldade de acesso a um serviço de qualidade, somado à culpabilização que a própria equipe de saúde, por vezes, exerce sobre essas mães, por terem perdido seus filhos. Dessa forma, em razão do estudo, foi possível enxergar a problemática fundada ainda nessa expressão de poder e do deixar morrer, que continua sendo alimentada nos lugares em que essas mulheres deveriam se sentir seguras e amparadas, haja vista estarem supostamente assistidas por um Sistema Único de Saúde que tem o compromisso de tentar diminuir o impacto de suas vulnerabilidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A temática da morte e do luto tem ganhado espaço de reflexão social e acadêmica, sendo ainda incipientes os estudos sobre a perinatalidade em mulheres quilombolas. Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de denúncias quanto à necropolítica vigente sobre corpos, em que é decidido quem pode viver ou morrer. Isso principalmente porque o Sistema Único de Saúde que recebe as mulheres quilombolas para gestação e acompanhamento pós-perda, durante ou após a gestação, precisa ser universal e integral, assegurando os direitos das mulheres quanto à assistência ao parto e suas implicações. REFERÊNCIAS: CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636.pdf>. Acesso em: 25 de jun. 2020. FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade. 2002. São Paulo, Martins Fontes. MBEMBE, A. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte (trad. Renata Santini). Arte e ensaios, v. 2, n. 32, 2017.
Palavras-chave: Luto perinatal; Necropolítica; Mulher quilombola.